ILUMINURAS - As Iluminações que Rimbaud não Iluminou no Jardim das Bonecas Manchadas de Sangue Imprimir

ILUMINURAS

As Iluminações que Rimbaud não Iluminou no Jardim das Bonecas Manchadas de Sangue

 

MARCO ALEXANDRE

DA

COSTA ROSÁRIO

 

POESIA, MÚSICA & PINTURA

 

Um Livro-Música da

 

EEDITORA OGMIOSE

(SEACULUM OBSCURUM)

 

*BLITZBUCH*

1986

 

 

SUMÁRIO - ILUMINURAS

 

ABERTURA - O PRINCÍPIO (Uma Dança Cerimonial – Parte I)

PRIMEIRO CICLO – O BANQUETE DO CISNE

RECORDAÇÕES (Uma Pintura Para Uma Dança)

A CRISTALEIRA

HÔRVALOS HARPA

A DAMA NASCENTE NA QUEDA DA LUA AMARELA

IMERSÃO PLÁSTICA

O PRINCÍPIO (Uma Dança Cerimonial – Parte II)

SEGUNDO CICLO – DANÇAS ÁRABES NO JARDIM DAS BONECAS MANCHADAS DE SANGUE

O JARDIM DAS BONECAS MANCHADAS DE SANGUE

MARIA

RELAÇÕES HUMANAS FALIDAS

VERÃO NA CASA SEM NÚMERO

DANÇA DAS NÚPCIAS

(Danças dos Homens dos Oásis por Ocasião de Núpcias)

INTERLÚDIO - AURORA DOS CÃES – SONS DAS GAITAS

TERCEIRO CICLO – A CARRUAGEM DOS MORTOS

SANTIFICADOS INFERNOS

ENCONTRO EM UMA ANTIGA ESTAÇÃO

VELHA ÁGUIA SOBRE O VALE DE LÁGRIMAS

PROVÉRBIOS NO PENSAMENTO EMPALHADO DO ESPANTALHO

DOIS HOMENS NO CAMINHO

O FLAUTISTA DE HAMLIN

O ENFORCADO

O BREVE RETORNO

(Um Epílogo para um Novo Prólogo)

QUARTO CICLO – A CONFRARIA DE NOSSA SENHORA

OS SINOS – O PRINCÍPIO ( Uma Dança Cerimonial – Parte III)

INTERLÚDIO

FONTES

OS SINOS – AS HARPAS

DANÇA LATINA

 

 

ABERTURA - O PRINCÍPIO

(Uma Dança Cerimonial - Parte I)

 

*           *           *

 

a vida começará agora:

os personagens já vestiram suas fantasias & sonhos

...todos aguardam.

 

estranhos esses comediantes,

tecendo, por trás de horrendas faces,

comentários a respeito da morte.

 

mãe invisível,

lar que já não cria formas...

 

quando o pano subir,

o teatro vivo será exposto ao ridículo...

espectadores fantasmas observam.

 

uma platéia de insanos...

a vida será mais que a razão e a loucura?

ou estaríamos apenas vagando sem rumo?

 

o que há por trás de teus olhos,

dama apanhada pelo tempo? Gritou alguém.

o que há por trás das máscaras que usas?

estarias escondendo receios, ou apenas simulando significados?

 

 

 

pétalas de bronze nos lábios da noite...

...já brilham imagens de pedra na antiga lua.

 

 

luz

 

luz

 

luz

 

o cérebro do mundo está agonizante

 

 

& a criatura já quer brotar

ou rastejar, submersa num sonho,

 

semeando palavras

no silêncio das mulheres.

 

iluminações na praia,

embrião e sepultura

 

nascem para a vida,

há gritos atrás dos portões.

 

ouve-se a música,

o vinho é derramado.

 

e os espíritos começam a dançar...

começam a dançar...

começam a dançar...

 

 

s     s    í   i    o

o    e   p   r    t    s

 

 

 

 

c          a          d

o                      a

m                     n

e                      ç

ç                      a

a                      r

a dançar                   .

.

.

a dançar...

 

a dançar...

 

a dançar....

 

 

 

 

PRIMEIRO CICLO – O BANQUETE DO CISNE

 

 

 

R E C O R D A Ç Õ E S

( U M A   P I N T U R A   P A R A   U M A   D A N Ç A )

*                      *                      *

 

cavalos de fogo (em carruagens solares),

quedas, desejos... nas nuvens o inverno, o éter silencioso,

céus de níquel (em contos de amor e ódio),

cantos ternos do velho homem cego.

 

na floresta, caçadores e feras em luta,

seduzidos pela sabedoria da coruja (e os reis do luar),

lágrimas de esposas,

mulheres nascidas (da terra e da poeira do amor).

 

mãos tocando os mistérios

em livros encantados,

os olhos da criança em fronteiras,

em fábulas, em gravuras antigas.

 

homens em transformações (cães selvagens),

peregrinos submersos na estrada de leite em terraimagens...

ladrões, ciganos, assassinos (a voz contínua na concha),

judeus e loucos envenenavam na aldeia o poço.

 

os doze cavaleiros em luta com a serpente,

a senhora, prisioneira dos espíritos (no oriente),

magos conciliando a imaginação e a razão,

doze moedas de ouro (no manto do monge negro).

 

vozharpa iluminando a noite,

cantando as quedas e subidas,

hinos distantes,

lapidados na memória da Senhora dos espíritos.

 

 

um pacto feito no coração da contadora de estórias...

 

mãe lua brilhando, energia embrionária

 

na estação dos gatos.

 

Recordarei antigas noites...

um rio corria no interior de uma

bandeja negra,

exóticos pássaros em sua margem,

um camponês oriental andava na seara em escuridão,

iluminavam taças na sala das cortinas de vinho...

no palco de um teatro, um melro cantou um nome proibido junto ao piano,

um casal de vespas levou-me ao bosque para ver o lago dos peixes

e outro lago de água multicores

e lá perguntei ao Kaizer se ele havia participado da guerra...

ele deitou-se num imenso cemitério de ferro...

e na casa havia um piano...

e na casa havia um piano...

 

 

Recordarei um antigo entardecer...

um estranho juntou minhas pequenas mãos

no gólgota

e levou-me à praça e espíritos dançavam em todos os lugares da terra...

na loja dos canos de vidro e dos filtros de porcelana

o amante e seu homem-peixe eram um só...

em uma carruagem uma velha senhora vitoriana,

uma faca enterrada em sua testa,

desceu do céu e parou diante dos meus olhos dizendo

“tu és meu filho

tu és meu filho...       não coloques a cruz no túmulo do pássaro”

 

 

Recordarei um antigo amanhecer...

um jantar na casa de um advogado

de negros olhos

durante a festa de um fogo-fátuo...

eu vi como era grande a avenida quando voltamos para casa,

a mesma avenida que eu teria que passar dez anos depois

e dez anos antes eu em meu quarto,

uma mulher recitava poemas do universo

enquanto pintava a parede com o sangue das estrelas...

mas, a dançarina vivia nas vidraças de múltiplas cores

mas, a dançarina vivia nas vidraças de múltiplas cores

 

colheres de sangue

colheres de sangue

colheres de sangue

colheres de sangue

colheres de sangue

 

 

A  C R I S T A L E I R A

 

“Um cálice de vinho, por favor,

e vai despertar a criança

prisioneira em tua alma.

Celebraremos, hoje,

as bodas do banquete do cisne

no interior da cristaleira

r

i

s

t

a

l

e

i

r

a”, disse o gnomo em sonhos.

Sinos... sinos de cristal, e

“Um jogo, muitas árias, madrigal e

um poema não escrito

e

uma

pintura                                           paralisagística

 

e

 

NUVENS                      NUVENS                      NUVENS

 

NUVENS                      NUVENS                      NUVENS

 

e          CASTELOS      entre

 

MONTES    e

 

PONTES    e

 

ALDEIAS   e

 

OCEANOS    e

RIOS

FONTES                      FONTES                      FONTES

e

LAGOS

Uma criança não lapidada pelo tempo

eu encontrei no deserto...

era belo o seu rosto

e ardente o seu canto...

seus dedos corriam pelos vitrais de uma igreja

acariciadas por uma tempestade,

tecelão de lamentações celestes,

e aguardava novas núpcias.

 

“UM CANTO MÁGICO EU TE DAREI,

SIM, EU TE DAREI,

UM CANTO DE OUTRA VELHA CIDADE

QUANDO ESTIVERES VIVO PARA A MORTE

 

 

Por quê não aceitas a magia?

Não sabes que a loucura

é a raiz da razão produzida pela razão,

nutrindo os lábios

com alegorias divinas”, disse o gnomo em sonhos.

 

Nos contornos do espelho

Repercutiam imagens,

relâmpagos acrílicos...

Véu de ostras refaziam

sombras                     e                      despertavam

os cavalos-harpas em criptas

douradas

e dançavam,

no ciclo dos ventos noturnos,

duendes, gnomos e feiticeiros

ao longo da vasta paisagem de cristal

ou sobre os ramos da figueira

ou sobre os náufragos do amor e do ódio.

Eu os via

em minha alquimia

ocultos

em troncos de velhos

carvalhos

 

 

Antigas árvores

 

 

Antigas árvores

 

 

Antigas árvores

No interior da c

r

i

s

t

a

l

e

i

r

a

 

e as guardavam Damas

e Ninfas

Marfim e cerejas, marfim e cerejas

Disse-me a fada:

“Toma esta pequena caixa de música.

Nela está o coração que perdeste quando criança”.

 

Um céu de violetas

Entre as jóias do rei

E orações em violinos

Ao fundo dos espelhos

Na floresta há bruxos

Lá o gnomo-rei pediu

às harpias que dormiam

que acordassem as crianças-cemitério;

 

“Viajaremos para a cidade incendiada

esta noite...

Já nadei,

em sonhos,

nas águas desse rio”

e

“Muito cuidado com os homens mudos...

eles falam através dos olhos”.

 

 

Seguimos para a rua das bonecas de sangue...

Em uma casa, na porta, estavam o Sr. e Sra.

esperando alguém que viria dez anos depois

e que havia morrido dez anos antes.

 

Sobre a rua

havia um livro:

“A fada da cidade incendiada

e os filhos do outono.”

 

Esperamos a alvorada

Sitiamos o paraíso

Resgatando o passado em recordações

que renasceram de palavras proibidas

 

“As bodas terminam

a meia noite

Mas, se quiseres ficar...

teu é o nosso reino”, disse o gnomo em sonhos.

 

“As bodas terminam

a meia noite...

teu é o nosso reino...”

 

“As bodas terminam

a meia noiteeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee...

Teu é o nosso reinooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo...”

 

“a meia noiteeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee...

teu é o nosso reinooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo...”

 

“meia noiteeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee...

teu é o nosso reinooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo...”

 

“Noiteeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee...

teu é o reinooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo...”

 

“o reinoooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo...”

 

“o reinoooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo...”

 

“Rumo à Ilha de Zácrata, barqueiro!

e deixemos esta casca mortal

que não nos ajuda em nada”, disse o gnomo em seus sonhos.

 

HÔRVALOS HARPA

 

Dama negro

Dedos gelo

Carícias, cordas e sonhos

 

Alguém no jardim

Alguém no jardim

um canto de lea

aos

hôrvalos harpa

 

o coração pulsa no Oriente...

antiga Senhora,

pele de gelo, pele de relva, líquida pele,

os cantores já fogem em criações

 

perseguem oásis no deserto

& o futuro lhes dá somente algumas miragens...

sombras caindo, sombras caindo e rindo,

apoiadas umas nas outras

para ver a queda de todas

 

Dama negro

Dedos & gelo

& carícias & cordas & sombras

 

Alguém no jardim

Alguém no jardim

um

canto

em pedras de jaspe

aos

hôrvalos harpa

 

e sinos tocam

no ar seco

 

 

 

 

A DAMA NASCENTE

NA QUEDA DA LUA AMARELA

 

Ela nasceu dentro de uma concha noturna,

uma pele a cada manhã

um beijo para cada homem

 

enquanto cai a lua amarela

num funeral de moscas luminosas

depois

 

de um movimento

 

Ela desapareceu

Entre os ônibus

Convertidos em moinhos de vento

 

 

 

IMERSÃO

PLÁSTICA

 

a fundição dos ossos

na                      cova

 

 

é

 

plasticidade

 

 

S           A           I

 

U           L           N

 

B           T           Q

 

J            E           U

 

U           R            I

 

G    &    A   &   E

 

A           D           T

 

D           A           A, talvez...

 

A

 

 

nem exércitos,

nem flores & laços,

nem vivos & mortos...

 

o que se tem aí

 

é

 

plástico derretido

e nada mais

 

 

 

Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança

Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança

Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança

Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança

Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança

Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança

Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança

Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança

Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança

Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança

Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança Latina Dança

 

 

 

 

O PRINCÍPIO

(Uma Dança Cerimonial – Parte II)

 

Talvez a platéia esteja enojada

por se ver confrontada com tão indigna farsa,

exposta nos versos e canções acima expostos.

 

Mas, os dançarinos...

 

Eles despertaram

no meio do rio

e encenarão as próximas peças

sem qualquer

sentido

sentido

sentido

sentido

sentido

sentido

sentido

sentido

sentido

sentido

 

A música não tem qualquer sentido.

 

Ela foi feita como a vida e a morte de cada um dos senhores, aqui presentes.

 

Se os senhores não concordam com as minhas palavras, aguardem o desfecho deste livro.

 

Reparem nos doces acordes que são tecidos pelo músico.

 

Gritos infernais Gritos infernais Gritos infernais

 

E, rapidamente,

 

O vento sopra novamente...

 

E eu adormeço novamente.

 

E eu adormeço novamente.

 

E eu adormeço novamente.

 

E eu adormeço novamente.

 

E eu adormeço novamente.

 

E eu adormeço novamente.

 

E eu adormeço novamente.

 

E eu adormeço novamente.

 

E eu adormeço novamente.

 

*Poema composto em 2002.

 

 

 

SEGUNDO CICLO – DANÇAS ÁRABES NOS JARDINS DAS BONECAS MANCHADAS DE SANGUE

 

 

O JARDIM DAS BONECAS
MANCHADAS DE SANGUE

 

 

terás que viajar ao cemitério à procura dos ossos de tua mãe,

terás que caminhar até a prisão levando o almoço ao teu amante penitente,

terás que construir uma elegante sepultura nas janelas do oceano,

terás que levar uma lápide de ouro para o reino que deixaste...

és obrigada amar os tambores emudecidos da África...

não tens que ter medo só porque as coisas vão mal;

se queres florescer em outro lugar, pequena mulher abandonada no bar,

tens que ir por outra via, pavimentada por jóias e ostras,

construída por amantes afogados no verão,

porque o céu esconde um oceano atrás das nuvens

e esta é uma oração no jardim das bonecas manchadas de sangue.

 

vimos os teus anjos vagarem em caixas amplificadas,

vimos os teus anões e índios esquecidos nos museus e circos,

vimos tuas cópulas plastificadas, consumidas no lago do amor glacial,

vimos tua irmã falando do amor entre as bocas dos náufragos

em tua noite e nos seres que ela possui,

vimos o verme em tua carne política e teu corpo fundido no asfalto e no barro,

não podemos ver teu medo porque os negócios vão mal;

se queres florescer em outra estação, pequena mulher abandonada no bar,

tens que seguir por outra via, pavimentada por jóias e ostras,

construída por amantes afogados no verão,

porque o céu esconde um oceano atrás das nuvens

e esta é uma oração no jardim das bonecas manchadas de sangue.

 

Isaías fugiu da nação pisando nas flores que jogou no seu caminho...

ainda cantas o salmo que ele deixou no túmulo do desconhecido mendigo

e como ele, tua casa apodreceu e para lá não queres voltar,

e corres para as ruas, geladas como a alma de Isaías,

através dos infernos sem limites, procurando uma face semelhante a tua,

enquanto o cisne rubro canta na escuridão,

não tens que chorar só porque teu mundo vai mal;

se queres florescer em outra estação, pequena mulher abandonada no bar,

tens que seguir por outra via, pavimentada por jóias e ostras,

construída por amantes no verão,

porque o céu esconde um oceano atrás das nuvens

e esta é uma oração no jardim das bonecas manchadas de sangue.

 

uma transformação se opera em teu útero...

embora não saibas no que vai dar,

não sabes subir ou descer as escadarias da igreja...

uma floresta de imagens varre teu deserto cerebral,

e estranhas criaturas viram pedras de sal nos teus corredores mentais

e amanhã voltarás ao teu emprego

e milhões de criaturas estarão em ti

mas, não tens que ter medo porque não tens dinheiro para apagar o nome

de teu filho;

se queres florescer em outra estação, pequena mulher abandonada no bar,

tens que seguir por outra via, pavimentada por jóias e ostras,

construída por amantes afogados no verão,

porque o céu esconde um oceano atrás das nuvens

e esta é uma oração no jardim das bonecas manchadas de sangue.

 

ainda perguntas se a água é mais forte que o fogo

ou por qual dos dois deves ser batizada;

a água converte o vinho, o fogo converte o oceano

e o órfão é indesejado na casa de seus irmãos

e o bêbado é expulso do vale do amor

e a mulher da noite queimada nos altares das igrejas

e o miserável jogado fora com os despojos da eleição

e o rapaz procura uma nova manhã fora de casa

e tu danças na beira do rio

e todos são teus irmãos na vigília que fazes no bar

enquanto o tempo ergue uma grande onda contra todos

e todos são teus irmãos na água e no fogo

transformando e convertendo as estradas do mundo...

mas, não tens que chorar só porque não tens dinheiro para pagar teu enterro;

se queres florescer em outra estação, pequena mulher abandonada no oceano,

tens que seguir por outra via, pavimentada por jóias e ostras,

construída por amantes afogados no verão,

porque o céu esconde um bar entre as nuvens

e esta é uma antiga oração no jardim das bonecas manchadas de sangue.

 

 

MARIA

 

Maria, por quê choras nas margens do rio?

 

porque tenho fome

porque odeio os homens

 

Maria, por quê choras nas margens do rio?

 

porque não tenho casa

porque matei meus filhos em meu ventre

 

Maria, que farás agora?

 

minhas lágrimas inundarão este rio

quando a morte dançar sobre meu corpo

 

Dança Maria

Dança para mim

 

Amanhã, tudo terá um único fim.

Na vida, tudo tem um único início e um único fim.

 

 

RELAÇÕES
HUMANAS
FALIDAS

 

o amor é uma relação humana falida

a carne é uma relação humana falida

o cartão de natal do patrão ao empregado é uma relação humana falida

as lições do professor ao aluno é uma relação humana falida

 

a oração do padre aos fiéis e infiéis é uma relação humana falida

o amor de uma mulher por outra mulher é uma relação humana falida

o amor de um homem por outro homem é uma relação humana falida

o amor de um homem por uma mulher é uma relação humana falida

 

o amor da mãe pela filha e da filha pela mãe é uma relação humana falida

o amor do pai pelo filho e do filho pelo pai é uma relação humana falida

o amor dos amores e tudo que existe entre homens e mulheres e filhos

é uma relação humana falida

 

todos sentados em suas mesas, no bar,

uma cerveja amarga para cada um, segundo Eliot,

e para cada mundo isolado, cada resto deixado,

um riso bancário, segundo Isaías Galbraith

 

liga a t.v., vai ao cinema, compra o livro, ouve o disco,

discute arte e mediocridade, entra no carro,

flagela-te no motel, pulveriza-te nas colunas sociais

dos jornais...

 

o que queres?

 

O que pensas?

 

O que sentes?

 

O amanhã não será tranqüilidade

 

e todos estarão dançando sua dança de felicidade artificial

em campanhas políticas nos supermercados

 

o presidente será internado no manicômio

o governador morrerá de Aids

o prefeito contrairá sífilis

 

o silêncio será minha morte

o silêncio será minha morte

o silêncio será minha morte

 

não para um fim

 

mas,

 

para um renascimento no vazio

 

 

 

VERÃO
NA
CASA
SEM
NÚMERO

 

 

verão na casa sem número

para lá correm os que fogem do mundo

 

verão na casa sem número

se vamos para o inferno, peguemos uma carona

 

verão na casa sem número

onde deixaste teu rosto, e afinal, qual o teu nome

 

verão na casa sem número

damas do ócio, cavaleiros sem elmo

 

verão na casa sem número

o álcool corta as avenidas cerebrais

 

verão na casa sem número

antes que os porcos invadam o mundo quero partir

 

verão na casa sem número

hienas devoram tua carne e nada sentes,

nem dor, nem piedade, nem vergonha

 

nada sentes, nada sentes, nada sentes

nem dor, nem piedade, nem vergonha

 

verão na casa sem número

a polícia chegou, atirou,

 

dez corpos adormecidos, o sangue corre pelo chão

 

nada sentes,

 

nem dor, nem piedade, nem vergonha, nem morte, nem vida,

 

e                                  adormecido no chão

 

pegaste o trem na última estação do pesadelo noturno.

 

 

 

 

DANÇA
DAS
NÚPCIAS

 

(Danças dos Homens dos Oásis por Ocasião de Núpcias)

 

A ressonância que paira sobre as dunas:

eu a espero...

A mulher envolta no véu de seda,

em meio ao calor do dia.

 

Ser despedaçado

em meio às injúrias.

 

E ela dança e dança na noite de núpcias,

 

em passos de criança,

toda a sua existência,

tudo o que chorou neste mundo...

 

E ela dança e dança na noite de núpcias,

 

em passos de criança,

toda a sua exuberância,

todo o riso deste mundo...

 

A bomba que foi disparada

e que rompeu os ares,

atravessou-lhe a costa.

 

E ela dança e dança na noite de núpcias,

 

em passos de criança,

toda a sua estupidez,

tudo o que não viu neste mundo...

 

E na rua as bonecas manchadas de sangue

adormecem ante os olhares

 

daqueles que passam

maldizendo a sorte que tiveram.

 

Bela moça,

Pele branca,

Pele manchada de sangue...

 

Vamos para as núpcias

da loucura,

noiva esquartejada.

 

 

*Poema composto em 2002.

 

 

 

 

INTERLÚDIO - AURORA
DOS
CÃES

 

armado,

o homem pensa que a rua é do senador.

 

não obedecido,

o rei faz um código.

 

mal amado,

o solitário pensa que todas as mulheres são prostitutas.

 

irado,

o amigo escraviza seu inimigo.

 

 

vale de lésbicas,

asilo de insanos velhinhos,

 

paraíso em preto e branco de travestis coloridos...

 

tua arma, tua lei, tua ira, tua solidão

o que fizeram com teu mundo

 

 

astuto,

o publicitário engana a todos.

 

o semeador virá no inverno

e fará a colheita na tempestade. assim me foi dito.

 

semeará girassóis no inverno

 

nos seios da prostituta.

 

e o cão apenas ouve o tocador de gaita sorrir.

 

 

 

 

TERCEIRO CICLO – A CARRUAGEM DOS MORTOS

 

 

SANTIFICADOS
INFERNOS

 

um lugar ao sol & nós sitiamos a terra

longe do horizonte de nossos olhos,

em ermas rodovias, nas sombras do dia.

 

uma mulher & seus longos cabelos de fogo & seus olhos de louça azul

sobre as cortinas da manhã

chamou meu nome na floresta perdida...

seu branco corpo luzindo como um raio de uma primeva era,

assaltando as esquinas da primavera,

convidando meu corpo a repousar nos profundos mistérios.

 

em alguns círculos quebrados & quadrados adejados

& retângulos retalhados

nós entramos, na esperança de ver os segredos da herança colorida,

deixada por nossos sonhos, em uma caverna adormecida.

 

em uma clareira encontramos muitas crianças banidas de casa

& elas dançavam sobre o grande tapete verde do ocidente,

enquanto uma suave música mágica tecia notas estranhas

e adornava nossas mentes,

relembrando-nos as dores do parto infantil,

do alto de colinas nunca habitadas.

 

muitos corpos embriagados & muitos olhos vidrados

& a morte a nos fitar no espírito,

querendo cegar um amor esquecido,

enquanto uma guitarra medieval nos conduzia em suprema harmonia

& nós voltamos à cidade, um por um, caindo pelas ruas

em negras sarjetas, filhos em ruínas,

frutos das indústrias da piedade humana,

abandonados ao vento em uma manhã de abril de 1967.

 

seguimos entre as regiões de maio o nosso caminho,

dançando a valsa surrealista sobre o lixo moderno das avenidas,

 

& eu & ela fomos à janela de vidro

consultar um antigo livro,

derramando a água dos jarros em meu quarto

sobre o chão de quartzo,

& deitamos juntos em uma cama de porcelana,

& cisnes bailavam em lagos de cristal,

& a queda tomou conta de nosso descaso.

seremos culpados?

ou estaremos sepultados no gelo?

Assim permaneceu & ela não percebeu quando a vi chorando

sobre um coração de ferro,

suas lágrimas caindo de seu rosto deformado,

formando um rio antigo...

Lá, o sofrimento e o desespero aguardavam meu regresso,

servidos por barqueiros venezianos

em gôndolas de veludo negro.

 

seu coração, agora silencioso,

desperta para a eternidade & seus gélidos seios

já não me convidam & seus olhos já não brilham

& sua voz já não quer dizer meu nome.

 

pela floresta levei seu corpo

& o enterrei num lugar desconhecido

& não houve uma voz de mãe índia que nos pudesse salvar,

& todas as manhãs eu rego seu jardim tumular,

prisioneiro de um pesadelo onde somente o ódio alivia o amor.

 

& o amor é um náufrago num lago de mel

quando uma menina de cabelos longos corre pelo campo

gritando: Vem! ela está aqui, ela te espera!

Vem! Aqui está ela...

& o amor é um reino morto numa fonte de mel,

mas você nunca está inteiramente vivo

para saber o que realmente é, & como no espelho,

sua imagem retrocede ao pó,

& o amor envelhece & alguns choram & alguns nascem

& alguns morrem

& aquela música petrificou você nos vinte anos.

 

aqui você está, respirando o ar alcóolico,

andando por ruas desertas, temendo a próxima idade do inverno,

lágrimas entre as pedras,

entre as feras,

entre dez edifícios brancos,

& até que você volte ao céu

& a batalha chegue ao fim,

isto é uma imitação do amor, despedaçada em constelações...

é um riso de criança morta

que faz você continuar aqui,

que faz você ficar neste lugar,

que permite a você viver entre o dia e a noite,

porque o silêncio de um homem incomoda mais que sua voz.

onde encontrar a saída?

onde encontrar a aurora do novo dia?

elas estão dentro do velho sol,

enquanto o pássaro canta no início da manhã,

elas estão dentro do velho sol,

nesta terra apodrecida, recheada de fósseis e dimensões diversas,

onde santificamos nossos infernos,

onde alguém vive,

onde alguém morre,

entre criaturas de um século que

desce pelo buraco de uma pia.

 

 

 

 

ENCONTRO
EM
UMA
ANTIGA
ESTAÇÃO

 

entre nós existe uma corrente de sangue invisível...

tu podes ver:

em minha carne corre o teu sangue,

em tua carne corre o meu sangue.

 

quando olhares o céu,

lembrarás meus olhos em teus olhos;

quando olhares os troncos das árvores,

verás neles os meus cabelos;

quando teus pés tocarem a areia da praia outra vez,

saberás que é meu corpo que tocas e pisas;

 

e eu serei todas as estrelas

que estão na escuridão,

iluminando uma visão fora das horas,

como um beijo de adeus.

 

escute:

o silêncio está cantando

em teus lábios e em teus olhos...

 

o que se ama dura para sempre,

 

por caminhos semelhantes e diferentes.

 

 

VELHA
ÁGUIA
SOBRE
O
VALE
DE
LÁGRIMAS

 

a irmã águia plantou uma flor em seu útero de vidro,

o rio não deu seu sangue,

espinhos entrelaçados no universo do menino.

velha águia sobre o vale de lágrimas.

 

a irmã águia germinou o inverno em uma flor

sobre a terra de Zácrata,

uma ilha ergueu-se do vento.

velha águia sobre o vale de lágrimas.

 

a irmã águia fluiu luz na nascente do rio

e o rio correu no deserto

e o deserto reteve as sepulturas dos homens sem destino.

velha águia voando ao redor do sol.

 

a irmã águia um dia transformou-se em vento

e fez seu giro entre as nuvens

e nem a seta do caçador não pôde mais encontrar suas asas.

velha águia eternamente voando ao redor do sol.

 

 

PROVÉRBIOS
NO
PENSAMENTO
EMPALHADO
DO
ESPANTALHO

 

Todo pensamento petrifica a verdade,

todo pensamento é uma estagnação do espírito...

Depois que te empalharem vivo, eles te enterram e te mandam para o inferno.

O dono do cavalo suga seu trabalho até a exaustão.

Depois ele o deixa na rua para o banquete dos abutres...

A isso eu dou o nome de aposentadoria eqüina.

Não permitas que ninguém te diga aonde ir,

o caminho e a verdade estão em ti;

a verdade é um diamante negro

que guardas no interior do teu crânio

e se não o podes descobrir... não és ninguém.

Quem precisa de guia são os cegos, tenham eles olhos ou não.

Eu te aconselho: faz o cego tropeçar

para que ele volte a ver outra vez.

 

Se tu morres na ignorância da multidão,

teu corpo e teu espírito descerão com ela para a sepultura...

Lá é o inferno.

Se tens a certeza de que és imortal e te elevas até

o universo, até o teu corpo não temerá a morte...

Serás todo imortal, por dentro e por fora...

Ninguém pode vir a ser imortal

porque, ou a imortalidade é, ou jamais será...

Resumindo, este é o céu.

Portanto: o céu e o inferno estão dentro de ti;

cabe a ti desvenda-los e escolher.

Ninguém retorna ao céu se não passou pelo inferno.

A inconstância é o primeiro sinal da certeza interior.

É durante a tempestade que o homem senta-se em seu deserto

para contemplar suas ruínas,

mas, o fim sempre gera o início

e lá ele descobre que todos os caminhos não levam a lugar nenhum.

O homem jovem envelheceu no cemitério da razão.

A suavidade da força dorme nos dentes do leão

e corre na estrada da rebeldia lúcida.

A poesia é a religião da obscenidade

convertida em santidade.

Aquele que te pede dinheiro emprestado

tem o poder de conhecer a tua alma.

 

O espantalho foi crucificado no meio do campo

para espantar os pássaros sedutores da emoção.

Mas um dia os pássaros irão devorar a mente do espantalho

e dominar a plantação.

 

 

 

 

DOIS
HOMENS
NO
CAMINHO

 

dois homens no caminho foram a casa das visões de madalena

& vestiram o verão em seus destinos, na beira do caminho.

“desperta! o sol adormeceu no oceano

& a estrada é sempre longa”, disse o primeiro.

“podes ir se tens tanta pressa.

eu já vivi em todos os portos da terra

& habitei em mansões & prisões

com pequenas mulheres de olhos feitos de gelo.

mas, encontrei o caminho de São Tiago

& irei até a santa das visões de madalena

& dormirei em sua cama de farrapos antigos

& visitarei seus indigentes, espalhados pelo chão,

& sonharei com um rio de rubis

& estarei aqui até que o silêncio

emudeça o êxtase dos oradores,

esperando a passagem de minha sombra pelo vale

do inverno”, pensou o último,

& o primeiro partiu em uma carruagem de desejos

& vagou entre as densas florestas do grande mundo

& vagou entre as obscuras ruas de um sonho

& de lá jamais retornou.

 

pobre Maria de Portugal, princesa das igrejas.

um dia deu à luz uma caravela

& gritou no átrio de uma catedral lusitana

que haviam encontrado ouro do outro lado do oceano

onde o sol adormece no mundo

& quatro séculos depois ela tece estigmas

nos homens do garimpo que freqüentam sua cama,

até que o sol adormeça em seus olhos feitos de gelo.

 

o império está ruindo,

multiplicam-se os heróis e

também multiplicam-se os mendigos,

e todos erguem alteres & celebram missas na terra que devastaram

& cegam milhões...

multiplicam-se os desejos, multiplicam-se as bocas...

 

a face do Senhor surgia atrás dos muros de Jerusalém

& o último no caminho chorou ao ver anjos rodeando a cidade

& os profetas escrevendo nas paredes do templo.

“meu irmão não voltou

& terei que ir só para a casa das visões de madalena

& percorrerei os dias como se fossem noites;

sem dar um passo de onde estou.

muitos são os heróis,

muitos são os mendigos,

& multiplicam-se os desejos & multiplicam-se as bocas

& a poeira ainda não parou de subir,

mas eu encontrarei repouso no ventre de madalena.

 

& lá ficou

até que chamaram seu nome no deserto de João

& o vento varreu a poeira dos caminhos.

 

 

O
FLAUTISTA
DE
HAMLIN

 

te levou para a estrada,

mochila nas costas,

flores nos cabelos,

 

mas ele não sabia aonde ir, e

num dia de inverno,

abandonou a caravana.

 

estavas no meio da estrada

e sem dinheiro, só com o silêncio,

e uma carona te levou à porta de casa,

 

o medo e a solidão

transformados em dinheiro e bom emprego,

para confundir os trapos e os vestidos de baile.

 

obs: quando estiveres só, em tua escuridão,

o nome da tempestade que virou teu barco será lembrado,

assim como o nome escrito no pó da terra,

e verás bem que se tivesses seguido a ti mesmo

terias concluído o caminho

e não terias voltado para casa.

 

 

O
ENFORCADO

 

Retornarei ao deserto interior...

Retornarei ao deserto dos ancestrais

e o inferno pertence ao meu circo de pulgas amestradas...

legado de sombras do oriente.

 

Retornarei ao interior dos espantalhos

que gostavam de pintar nos muros da cidade

suas primitivas orações,

enquanto o vinho corria pelo esgoto do altar,

 

e o inferno pertence ao meu circo de pulgas amestradas...

e para lá levarei teus sonhos, grande rei,

e lá sepultarei tuas entranhas para o show católico,

e ouvindo a canção de Pan

em templos de heróis maltrapilhos,

terei nas mãos tuas últimas relíquias.

 

olha ao redor das avenidas...

os heróis vagam com os olhos no chão,

disfarçados de socialistas em seus trajes de mendigo,

e a senhora serpente os cerca em paraísos de luz.

 

somos filhos da sombra ancestral,

somos filhos da névoa alcóolica,

sem destino ocasional,

somos filhos do medíocre vômito das estrelas,

somos filhos da rebelião silenciosa,

planejados pela banalidade hereditária.

 

nossa vitória não está na destruição exterior,

nossa vitória consiste na destruição interior,

nossos reinos não estão no poder dos impérios,

nossos reinos estão em nossos cemitérios

e o cetro que levamos é o cetro de um rei morto.

 

nós repelimos a sacerdotisa do prazer

ateando fogo em seu templo-revista

onde ela celebrava semens egomaníacos

e ela chora hoje ao pé da cama de um centauro,

apodrecida no fundo de um quarto.

 

Retornarei ao deserto interior...

Retornarei ao deserto dos ancestrais

e o inferno pertence ao meu circo de pulgas amestradas,

simulando formas estranhas nas faces das cavernas familiares.

 

alguns cães desceram para os becos

a procura de alguma gata

que dormia nos muros do conjunto habitacional

e lá sentaram sobre os crânios dos imortais

sem idéias, sem carne, sem ossos,

mortos por serem de outro tempo.

 

Perséfone, que nasceu na estação do amor,

brotou entre doze espinhos, na estação das árvores desfolhadas...

arrastou-se, em doce rebeldia,

para partir em uma cruz,

temendo o canto da chuva, mas antes nos ensinando a amar a tempestade.

Hades, que se assemelhava ao canto da chuva,

agitou sua arma do outro lado do rio,

não amando ninguém e deixando a terra estéril.

 

nossos filhos fugirão das escolas,

retornarão à antiga casa destruindo as lembranças,

parados na beira do rio, despertarão do devaneio,

quebrando o palácio do rei com um machado em chamas

e trarão Perséfone outra vez ao reino do amor.

 

virgem do leste, não te demores...

vem, através do oceano, trazendo nos lábios

o quente beijo do novo amor.

 

Retornarei ao deserto interior...

Retornarei ao deserto dos ancestrais

e o inferno pertence ao meu circo de pulgas amestradas...

minha herança permanece ali,

em risos nascidos da boca do enforcado.

 

ele agora executará uma dança latina.

 

 

BREVE RETORNO (Um Epílogo para um Novo Prólogo)

 

faziam vinte anos que ele havia saído de casa...

ele desejava ir muito longe, mas só conseguiu chegar até as fronteiras.

nesse tempo ele brincou de morto com um cadáver,

conheceu o mundo e seus homens e suas mulheres,

ele foi jardineiro, lavador de pratos, e

trabalhou num circo,

um dia, ele resolveu voltar para sua cidade,

e num beijo de despedida

abandonou seu amor no espetáculo chileno.

se nunca tivesse saído de sua cidade

talvez fosse dono de um açougue,

mas aprendera muito mais correndo pelo mundo.

Mas, ao pensar sobre este fato ele deu uma risada

nos limites da realidade.

 

a casa ainda era a mesma,

a mãe ainda estava lá,

mas o pai havia morrido.

a porta estava semi aberta...

ele entrou sem falar com sua mãe e seus irmãos

em seu antigo quarto,

e ali nada havia mudado desde que partiu.

então, ele disse boa noite para a noite e dormiu.

 

amanhã, quando ele acordar,

retornará ao vôo que iniciou num sonho

e, saindo do cemitério,

lavará seus pés nas águas do rio jordão.

 

iluminuras são suas lembranças

do tempo em que ele rastejou pela terra

 

e dele saiu um novo homem,

nem jovem, nem velho,

apenas eterno.

 

ele olhou para a terra

e viu que ela

era toda as mulheres que ele amou.

 

ele amava as mulheres

não como homem,

mas como criança.

 

então, retornou ao deserto,

próximo ao oceano.

o sol levantou-se,

colorindo a terra

 

e a noite

fez seu giro,

cobrindo o véu celestial

com moluscos iluminados;

quando era criança, ele dizia,

olhando para o céu: eu vim de lá

e um dia retornarei.

 

junto do oceano

ele envelheceu

como uma criança de mil anos.

 

mas, ele já ouviu o que disseram na última ceia do princípio,

onde uma dança cerimonial é realizada

 

num teatro empoeirado e fedorento.

 

e ele viu todo o transe do gnomo na cristaleira,

 

num rio negro,

onde vagueiam pavões e espectros

 

e onde são escutados os hôrvalos harpas.

 

Carruagem de fogo...

Cavalos de fogo...

e um dia ele retornou para as estrelas.

 

 

QUARTO CICLO – A CONFRARIA DE NOSSA SENHORA

 

OS SINOS – O PRINCÍPIO (Uma Dança Cerimonial – Parte III)

 

Como são gélidos estes olhares repulsivos

que nascem na platéia e se prostram

perante os atores.

 

Eu sou aquele

que sabe todo o enredo

e não se cansa de jogar

sortilégios e maldições sobre a platéia.

 

Tu rejeitas o ator embriagado que sobe no palco...

mas será ele que executará a última dança cerimonial,

entorpecido pelos gritos da multidão.

 

 

luz

Luz

Luz

Luz

Luz

Luz

Luz

Luz

Luz

Luz

Luz

Luz

Escuridão

Escuridão

Escuridão

Escuridão

Escuridão

Escuridão

Escuridão

Escuridão

Escuridão

Escuridão

Escuridão

Escuridão

 

 

 

E mulheres nuas a passear pelo palco.

 

Eis que chegamos a confraria de nossa senhora.

 

E mulheres nuas a passear pelo palco.

 

E no campo milhares de mortos dão as mãos.

 

E no palco, o velho embrutecido

cuspiu toda imundice dos nossos sonhos,

numa terra sem nome e sem arte.

 

É este olhar da platéia

que faz gelar os atores...

 

Que tirem as roupas de cetim das atrizes,

belas moças criadas com leite e mel.

Que sejam elas forçadas a dormirem com os negros

nos mais hediondos sonhos...

Belos negros!!!!

 

Que o palco fique todo enegrecido

e que o sêmen seja todo derramado em alvos seios

de belas atrizes pervertidas

pelos sonhos de uma velha e nua mulher enlouquecida,

velha senhora das ruas.

 

Eis meu teatro...

E eis os estranhos rituais

Ao redor das pedras.

 

*Poema composto em 2002.

 

 

 

 

INTERLÚDIO

 

Flor inconstante

em alegre festejo

na cidade incendiada.

 

Agora adormecida na calçada

com o sangue escorrendo da boca...

uma pequena boneca manchada de sangue,

 

enquanto as águias passam pelos céus

semeando a morte e a madrugada.

 

*Poema composto em 2002.

FONTES

 

Pequenos passos são ouvidos

na madrugada...

São as velhas feiticeiras adormecidas

que vieram buscar

a pequena boneca manchada de sangue.

 

Elas vieram buscá-la

e vão plantá-la

numa fonte de múltiplos sóis

para jamais ser esquecida

na cidade incendiada.

 

*Poema composto em 2002.

OS SINOS – AS HARPAS

 

Eis que aqui adentrou a senhora dos rituais...

sinos são ouvidos e harpas também

pelas ruas onde corre o assassino.

 

Alucinação

Alucinação

Alucinação

&

misericórdia

misericórdia

misericórdia

 

nas lembranças da confraria de nossa senhora...

nas lembranças da confraria de nossa senhora...

nas lembranças da confraria de nossa senhora...

 

Lembra-te do ritual

entre a árvore-mortalha

e o carrossel de homens e estranhos seres

 

e os sinos anunciam

a minha loucura ante a realidade humana.

 

Eis que aqui adentrou a senhora dos rituais...

sinos são ouvidos

pelas ruas.

 

Os sinos anunciam.

Os sinos anunciam.

Os sinos anunciam.

 

*Poema composto em 2002.

 

 

DANÇA LATINA

 

Dança latina

Dança latina

Dança latina

 

E lá estava Fidel

Como um carneiro

 

E todas as dançarinas

Alegres cantavam e dançavam

 

Aquela dança latina

 

A felicidade perdida

Em torno da ilha

 

Dança latina

Dança latina

Dança latina

 

E Che estava lá

Como um bode

 

Aquela dança latina

 

E todos viram o sangue pulsar

Nas mãos daqueles que mentiram

 

E julgar os homens como gados

Mergulhados na horrenda

 

Dança latina

Dança latina

Dança latina

 

*Poema composto em 2002.

MÚSICAS

 

MÚSICAS DO LIVRO-MÚSICA “ILUMINURAS - As Iluminações que Rimbaud não Iluminou no Jardim das Bonecas Manchadas de Sangue - (compostas, tocadas e gravadas em outubro de 1986).

 

Cd 1.

 

1. ABERTURA - O Princípio (Uma Dança Cerimonial - Parte I) (Marco Alexandre Rosário).

Gravado em Belém, Pará.

Instrumentos: Violões eletrificados (a base foi gravada em 1983).

 

2. Primeiro Ciclo - O Banquete do Cisne (Marco Alexandre Rosário).

Incluindo os seguintes poemas/músicas:

Recordações (Uma Pintura Para Uma Dança)/ A Cristaleira/ Hôrvalos Harpa/ A Dama Nascente na Queda da Lua Amarela/Imersão Plástica/ O Princípio (Uma Dança Cerimonial – Parte II).

Gravado em Belém, Pará.

Instrumentos: órgão, piano, flautas, violão, violão eletrificado, bateria eletrônica e outros efeitos.

 

3. Segundo Ciclo – Danças Árabes no Jardim das Bonecas Manchadas de Sangue (Marco Alexandre Rosário).

Incluindo os seguintes poemas/músicas:

O Jardim das Bonecas Manchadas de Sangue/Maria/ Relações Humanas Falidas/ Verão na Casa Sem Número/ Dança das Núpcias (Dança dos Homens dos Oásis por ocasião de Núpcias).

Gravado em Belém, Pará.

Instrumentos: violões eletrificados, órgão e efeitos sonoros (música folclórica árabe).

 

4. Interlúdio – Aurora dos Cães – Sons das Gaitas (Marco Alexandre Rosário).

Gravado em Belém, Pará.

Instrumentos: gaitas.

 

Cd 2.

 

1. Terceiro Ciclo – A Carruagem dos Mortos (Marco Alexandre Rosário).

Incluindo os seguintes poemas/músicas:

Santificados Infernos/ Encontro em uma Antiga Estação/ Velha Águia Sobre o Vale de Lágrimas/ Provérbios no Pensamento Empalhado do Espantalho/ Dois Homens no Caminho/ O Flautista de Hamlin/ O Enforcado/ O Breve Retorno (Um Epílogo para um Novo Prólogo).

Gravado em Belém, Pará.

Instrumentos: piano, cravo, órgão, violão eletrificado, xilofone, flauta, bateria eletrônica e efeitos sonoros.

 

Quarto Ciclo – A Confraria de Nossa Senhora.

2. Os Sinos – O Princípio (Uma Dança Cerimonial – Parte III) (Marco Alexandre Rosário).

Gravado em Belém, Pará.

Instrumentos: violão eletrificado e efeitos sonoros (Monastery Bells).

 

3. Interlúdio (Marco Alexandre Rosário).

Gravado em Belém, Pará.

Instrumentos: piano.

 

4. Fontes (Marco Alexandre Rosário).

Gravado em Belém, Pará.

Instrumentos: xilofone-teclado.

 

5. Os Sinos – As Harpas (Marco Alexandre Rosário).

Gravado em Belém, Pará.

Instrumentos: harpa nordestina e efeitos sonoros (Monastery Bells).

 

6. Dança Latina (Marco Alexandre Rosário).

Gravado em Belém, Pará.

Instrumentos: órgão, bateria eletrônica e efeitos sonoros.